Pequenez
O implacável livro de José Gil, Portugal, hoje: O Medo de Existir, profusamente lido e comentado no tal "espaço público" que o autor contesta, suscitou-me empatias e resistências. Inclino-me a dar razão a Esther Mucznik, que no seu artigo do Público levanta a hipótese das novas gerações pouco ou nada se reverem no quadro negro (ou demasiado branco) que o livro apresenta. Muito daquele diagnóstico me aparece, de facto, algo forçado para as pessoas que nasceram (vá lá) a partir dos anos 70 - ou então trata-se de uma coisa latente, ainda por manifestar-se. Em todo o caso, ponho sérias dúvidas quanto ao optimismo de Mucznik quando afirma que
"(...) longe dos holofotes mediáticos está hoje uma jovem geração extraordinariamente bem preparada do ponto de vista profissional, de horizontes vastos, liberta de medos e de angústias existenciais e que quer contribuir para o seu país. (...)"
O que mais me incomoda na análise de José Gil é a extracção de certas "características dos portugueses" que duvido não sejam apenas "características humanas" ou dos "humanos ocidentais". Como o falar apenas para se ouvir, a necessidade de tergiversar após um acontecimento traumático (como um funeral) ou a "não-inscrição" da maior parte dos factos da actualidade. Nalguns casos, as conclusões parecem-me francamente abusivas.
Mas há também outros em que o filósofo atinge o pleno. O respeitinho pelas instituições e pelos títulos académicos (o "País dos doutores"), a manutenção de redes de controlo ou influência (que seguem um esquema semelhante ao da "velha senhora" e muitas vezes são promovidas por actores recauchutados: o "País das famílias") ou a questão da "pequenez", em que o autor é particularmente lúcido. Os pequenos objectos, a pequena escala, as pequenas ideias. Recorto este pedaço, que me parece ser uma boa síntese do "português".
"(...) Separar-se um dia, dois, uma semana ou mesmo umas horas pode suscitar uma dor imensa, uma imensa saudade. Aquela tia que ficava a dizer adeus, adeus, adeus, abanando sem fim o lenço à janela para a sobrinha que ia todas as manhãs para o trabalho ali ao lado, pelo passeio, até ao virar da esquina... Pequenos mundos (...)"
"(...) longe dos holofotes mediáticos está hoje uma jovem geração extraordinariamente bem preparada do ponto de vista profissional, de horizontes vastos, liberta de medos e de angústias existenciais e que quer contribuir para o seu país. (...)"
O que mais me incomoda na análise de José Gil é a extracção de certas "características dos portugueses" que duvido não sejam apenas "características humanas" ou dos "humanos ocidentais". Como o falar apenas para se ouvir, a necessidade de tergiversar após um acontecimento traumático (como um funeral) ou a "não-inscrição" da maior parte dos factos da actualidade. Nalguns casos, as conclusões parecem-me francamente abusivas.
Mas há também outros em que o filósofo atinge o pleno. O respeitinho pelas instituições e pelos títulos académicos (o "País dos doutores"), a manutenção de redes de controlo ou influência (que seguem um esquema semelhante ao da "velha senhora" e muitas vezes são promovidas por actores recauchutados: o "País das famílias") ou a questão da "pequenez", em que o autor é particularmente lúcido. Os pequenos objectos, a pequena escala, as pequenas ideias. Recorto este pedaço, que me parece ser uma boa síntese do "português".
"(...) Separar-se um dia, dois, uma semana ou mesmo umas horas pode suscitar uma dor imensa, uma imensa saudade. Aquela tia que ficava a dizer adeus, adeus, adeus, abanando sem fim o lenço à janela para a sobrinha que ia todas as manhãs para o trabalho ali ao lado, pelo passeio, até ao virar da esquina... Pequenos mundos (...)"
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