És um monumento
Vi O Leopardo em vídeo há mais de dez anos e compreendo o que João Lopes escreveu no Diário de Notícias: "Algumas das clivagens entre os espectadores contemporâneos passam por diferenças tão básicas como esta: há os que viram e os que nunca viram O Leopardo numa sala de cinema”. Desde segunda-feira, sou dos que viu O Leopardo numa sala de cinema. E posso dizer que só agora vi O Leopardo: um colosso destes não se vê em casa.
Foram três horas de assombro mas vou destacar duas cenas: o plano individual de cada membro da família na igreja de Donnafugata, logo após a viagem que os trouxe cansados e cobertos de pó. Há nesses instantes uma súmula do momento histórico que o filme retrata: a Itália desenhada por Cavour e Garibaldi a encher de cal o domínio espanhol. E mesmo que nada mude, e seja apenas uma troca de alianças e um breve reposicionamento, mantendo a família os seus privilégios, há naqueles rostos empoeirados a morte de uma época, como se fossem já fantasmas de um império perdido.
O outro momento é o baile, todo ele, que é das sequências mais melancólicas e magníficas da história do cinema, um encantamento puro. E dentro dele, a cena em que Angelica (Claudia Cardinale) convida Don Fabrizio Salina (Burt Lancaster) para uma dança. Diante da beleza de Angelica (um monumento), já não é o império que desaparece: é apenas um homem de meia idade que se vê substituído por um leopardo mais novo. E quando a devolve aos braços de Tancredi (Alain Delon), que rapidamente a beija, um pouco inseguro diante do velho leopardo, o olho de Angelica mantém-se aberto, observando Fabrizio. É uma passagem de testemunho hesitante, e uma inevitabilidade trágica, infinitamente triste e maravilhosa.
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