Vigarice e caldo verde
2006 começou com um barrete: a festa no Teatro Sá da Bandeira onde se anunciava a actuação dos Happy Mondays. Havia logo truques no cartaz: por baixo do nome da banda, umas entrelinhas confusas disfarçadas de denominações trendy para enganar otários: "dj set & live pa with Shaun Ryder + Kav" (mas podia ser "Shaun Ryder + dj set with live pa & Kav" que a vigarice era a mesma: não se especificava que não haveria um concerto de Happy Mondays – o nome aparecia em letra garrafal e induzia, efectivamente, a um espectáculo da banda). Se era um dj set ou um live pa ou whatever the fuck they want to call, então que dissessem que essas coisas iam acontecer com a presença de elementos dos Happy Mondays, deixando bem claro que não haveria nenhum concerto nem mini concerto nem música ao vivo. Arranjassem outra solução gráfica para o anúncio e fossem menos desonestos. Porque o que ali se viu foi um ex-toxicómano (e digo "ex" para ser simpático, porque não faço a mínima ideia se é "ex"), viu-se um ex-toxicómano, debilitado e gordo, encostado à aparelhagem a fumar cigarros. Este "encostado" é literal: Shaun Ryder, que eu visse, não pegou num único disco e praticamente não se mexeu. A selecção (banalíssima) esteve a cargo de uns pretos que lhe iam dando lume. E o tal "live pa", pelos vistos, era a inclusão de uns desmaiados "yeaaah" em temas dos Happy Mondays. Triste figurinha do senhor de Manchester, que alinhou na intrujice e provou estar de rastos. Felizmente não paguei por esta fantochada, e felizmente houve caldo verde, cerveja e amigos espanhóis no dia seguinte.
2 Comments:
Eu si paguei, pa, fodidos traballinhos lusos...
Caríssimo,
"A selecção (banalíssima) esteve a cargo de uns pretos que lhe iam dando lume."
Não tenho qualquer tipo de pudor com a palavra preto mas isso não faz com que ache a frase elegante.
Sei que não és racista mas a frase é, na minha modesta opinião, bastante ofensiva… se fossem brancos, a frase não “colava” bem, ou colava? Dirias uns tipos, fulanos, sujeitos, beltranos, sicranos, indivíduos, criaturas. Agora brancos?? Duvido. E é exactamente por isso que é desagradável. O preto aparece como adjectivo e não como sujeito. A carga é essa, quer tu queiras, quer não. Os pretos (negros, coloridos, africanos, whatever) aparecem como uma espécie de seres de segunda categoria que estão ali para prestar vassalagem ao Shaun Ryder (estive lá, não o contesto!). A questão não é o nome, seria o mesmo se usasses arianos, islâmicos ou um outro termo qualquer carregado de conotações históricas, nesta época da história, neste lugar da história. A História é pesada, e nós temo-la como herança. O KKK existiu, bem como a escravatura, e as desigualdades sociais ainda subsistem.
Fico a pensar com os meus botões (pretos, por sinal) … se escrevesses este texto logo após a Idade Média, o termo correspondente seria bruxa ou ateu, não?...
Talvez nós devêssemos ter respeito pela História. Talvez seja essa a herança de quem nasceu no final do século XX. Talvez devêssemos ter cuidado e, volta e meia, sermos politicamente correctos na escolha das palavras que criam uma frase (escrita). Era bom que o legado fosse outro, que nós pudéssemos usar as palavras que nos vêm à cabeça (sim, eram pretos!), que fossemos livres e já agora (porque não?!) todos iguais, independentemente da raça ou credo… mas a realidade ainda não é essa, ou é?
Tirando isto, gostei.
Long live A TESOURA!
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