Até a dormir
Até há um mês atrás o nome "Joe Orton" não me dizia rigorosamente nada. Foi graças à encenação de O Saque, por Ricardo Pais, que esteve em cena até ao último fim de semana, no Teatro São João, que pude descobrir este inglês assassinado em 1967 com nove marteladas. Talvez o fascínio pelos autores que morrem cedo (34 anos), talvez a excelente peça que é O Saque (Loot), muito bem servida por Ricardo Pais, a verdade é que tive curiosidade de conhecer o personagem e vi o filme que Stephen Frears realizou, em 1987, baseado na biografia Prick Up Your Ears, de John Lahr.
Em termos de teatro, Joe Orton - que além de O Saque escreveu outras peças que deram brado nos anos 1960, como Entertaining Mr. Sloane, The Ruffian on the Stair ou What the Butler Saw – é responsável pela origem de uma nova expressão – ortonesco – que designa um tipo de peças em que as situações mais macabras são também hilariantes. Assim é em Loot, em que o dinheiro de um assalto é desmarcado no caixão da mãe de um dos ladrões. Diálogos rápidos e corrosivos numa espiral de sarcasmo que não poupa ninguém. E uma linguagem entre o vernáculo mais cru e a elaboração cuidada de trocadilhos e jogos de palavras. Tudo extremamente british, na maleabilidade do verbo e no humor de breu.
No filme de Frears - que desenvolve a história do dramaturgo (interpretado sem sal por Gary Oldman) um pouco ao jeito das Crónicas de Bob Dylan, com saltos temporais e pequenos recortes que se vão alinhando -, descreve-se a chegada de Orton a Londres (vindo de Leicester) e a sua entrada algo titubeante no mundo do teatro. É em parceria com Kenneth Halliwell (Alfred Molina), que o filme apresenta como um espirituoso melancólico e escritor frustrado, que Orton escreve os primeiros textos (ou vê escrever). Além de parceiros, tornam-se amantes, numa relação tumultuosa que irá ditar o destino de Joe.
É quando saem da prisão (onde vão parar pela javardice que fazem a livros requisitados a bibliotecas) que os papéis se invertem. Joe é agora o verdadeiro autor dos textos, cabendo a Halliwell a ideia para os títulos. Esta mudança é comentada num diálogo curioso.
- Prison gives a writer credentials.
- Everyone else, it takes them away.
Mas o que verdadeiramente impressiona é o desfecho do filme (e da vida de Orton). Consumido pelo ciúme e pela inveja, Halliwell, que praticamente deixa de escrever e apenas assiste à ascenção do amigo, agora solicitado para todo o tipo de projectos (chega a escrever um guião, rejeitado, para os Beatles) e acumulando prémios de dramaturgia, Halliwell, desesperado, depois de tentar ainda pendurar-se um pouco ao sucesso de Orton (“Fui eu que escrevi os títulos!”), Halliwell acaba por despedaçar o amante com nove marteladas, suicidando-se pouco depois. Antes do crime, tinha gritado:
“Até a dormir és melhor que eu!”
Em termos de teatro, Joe Orton - que além de O Saque escreveu outras peças que deram brado nos anos 1960, como Entertaining Mr. Sloane, The Ruffian on the Stair ou What the Butler Saw – é responsável pela origem de uma nova expressão – ortonesco – que designa um tipo de peças em que as situações mais macabras são também hilariantes. Assim é em Loot, em que o dinheiro de um assalto é desmarcado no caixão da mãe de um dos ladrões. Diálogos rápidos e corrosivos numa espiral de sarcasmo que não poupa ninguém. E uma linguagem entre o vernáculo mais cru e a elaboração cuidada de trocadilhos e jogos de palavras. Tudo extremamente british, na maleabilidade do verbo e no humor de breu.
No filme de Frears - que desenvolve a história do dramaturgo (interpretado sem sal por Gary Oldman) um pouco ao jeito das Crónicas de Bob Dylan, com saltos temporais e pequenos recortes que se vão alinhando -, descreve-se a chegada de Orton a Londres (vindo de Leicester) e a sua entrada algo titubeante no mundo do teatro. É em parceria com Kenneth Halliwell (Alfred Molina), que o filme apresenta como um espirituoso melancólico e escritor frustrado, que Orton escreve os primeiros textos (ou vê escrever). Além de parceiros, tornam-se amantes, numa relação tumultuosa que irá ditar o destino de Joe.
É quando saem da prisão (onde vão parar pela javardice que fazem a livros requisitados a bibliotecas) que os papéis se invertem. Joe é agora o verdadeiro autor dos textos, cabendo a Halliwell a ideia para os títulos. Esta mudança é comentada num diálogo curioso.
- Prison gives a writer credentials.
- Everyone else, it takes them away.
Mas o que verdadeiramente impressiona é o desfecho do filme (e da vida de Orton). Consumido pelo ciúme e pela inveja, Halliwell, que praticamente deixa de escrever e apenas assiste à ascenção do amigo, agora solicitado para todo o tipo de projectos (chega a escrever um guião, rejeitado, para os Beatles) e acumulando prémios de dramaturgia, Halliwell, desesperado, depois de tentar ainda pendurar-se um pouco ao sucesso de Orton (“Fui eu que escrevi os títulos!”), Halliwell acaba por despedaçar o amante com nove marteladas, suicidando-se pouco depois. Antes do crime, tinha gritado:
“Até a dormir és melhor que eu!”
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