Moralismo assassino
Neste post do Corta-Fitas o autor interroga-se sobre a possibilidade do massacre na Universidade Tecnológica da Virgínia, ocorrido na semana passada, ser um dos sinais de uma sociedade que caracteriza como “progressivamente mais individualista e impiedosa, sem identidade ou «interioridade», dominada pelo hedonismo (…)”. Ora sucede justamente que as declarações do assassino, contidas no vídeo enviado à NBC, parecem antes de mais acusar esse hedonismo e falta de piedade, que supostamente o “obrigaram" a fazer aquilo. Temos portanto uma posição moralista, que denuncia os costumes, e não uma apologia do caos e da dissolução. Poderá argumentar-se que também isso é sinal das mesmas características apontadas no post, mas a verdade é que surge de um ponto extremado (e ensandecido) dessa visão.
Coisa que não é novidade em casos de psicopatas. Para dar dois exemplos, refira-se as prostitutas assassinadas em Ipswich no final do ano passado (foram só prostitutas). Ou o Unabomber, que criticava o hedonismo e paternalizava o Homem na sua relação com as máquinas. Também no cinema há um longo rol de moralistas sádicos, desde o beato de The Night of the Hunter (na imagem) ao asssassino de Se7en, que perseguia com diligência os pecados mortais. E mesmo Travis Bickle, do post abaixo, que pretendia limpar a cidade das suas impurezas. Há bastas coincindências entre o discurso moralista e a atrocidade. Com o “ofendido” a arrogar-se a anjo-vingador que irá purificar e punir a sociedade. (Já num outro campo, podíamos falar de radicalismos políticos e religiosos, que em larga medida se colam a esse perfil.)
Outra coisa que li e da qual discordo foi a associação entre o crime da Virgínia e o suposto fracasso do multiculturalismo (aparentemente porque o assassino era asiático). É caso para perguntar pelos WASP's que dizimaram estudantes em Columbine, 1999, ou pelos caucasianos que fizeram estoirar um prédio em Oklahoma, 1995, ceifando 168 vidas. Há muito para dizer sobre o multiculturalismo, mas isso é claramente um tiro ao lado e sem jeito nenhum.
2 Comments:
Recomendo a leitura do manifesto do Unabomber, que está online (há alguns capitulos traduzidos em português). Parece-me que há aí qualquer confusão na tua análise. Contudo, pertinente. Mas será possível comparar a Noite do Caçador com Se7en? O escriba
Não li o manifesto todo (não há estômago), mas uma das traves mestras é sem dúvida a relação homem-máquina, e a sua visão apocalíptica sobre ela. O hedonismo (e o excesso de sexo) é apontado como 'surrogate activity', ou "actividade supérflua"; o tom, em suma, parece-me bastante paternalista. E como bom pai fazia reprimendas à bomba.
Quanto aos dois filmes, parece-me que partilham o álibi da moral para desencadear a violência. No caso do caçador como oportunismo, no caso de se7en como loucura. Ambos os personagens, à sua maneira, eram pregadores.
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