O osso
Quando nos exprimimos fora da nossa língua estamos obviamente emperrados. Castrados em recursos e vocábulos, limitamos também o próprio pensamento, que deverá adequar-se à escassez de meios. Nesse exercício poderá pensar-se que nos diminuímos – simplesmente, não conseguimos dizer como diríamos, e tendemos a simplificar, excluir, esvaziar. Mas também é verdade que, expressando-nos em língua estrangeira (e independentemente do domínio que tenhamos sobre ela levaria anos de contacto diário a atingir uma nesga da relação que temos com a nossa), há a possibilidade de sermos directos, atalhando por entre a canga que por vezes convocamos para dizer o mais simples. Há a possibilidade (ou a fatalidade) de atingir o osso em numerosas situações – dizendo apenas o necessário, e nada mais. Quem melhor entendeu isto foi Beckett, ao escrever em francês e só depois traduzindo para a língua-mãe: com os resultados que se conhecem. Apanhar o osso, dizer apenas o que tem de ser dito. Que é cada vez menos.
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