Água e pó
Voz. Qualquer pessoa minimamente informada sabe que Antony And The Johnsons vive essencialmente da Voz. Os arranjos são simpáticos, o visual do músico "deslumbrante", mas o que interessa mesmo é a Voz. E quem esteve no concerto da Casa da Música, ontem à noite, provou apenas disso - da Voz. (Apetece fazer um post a repetir a palavra Voz, terminar as frases em Voz, sempre em caixa alta - a Voz, a Voz, a Voz).
É uma Voz de homens e mulheres, que entrelaça os géneros, confunde os sexos. E tem a densidade da água e do pó. Esfuma-se, escorre, vai pelo auditório como girinos no lago. É imaterial como nenhuma outra Voz. E talvez nem sequer se inscreva nos corpos que a ouvem. É demasiado fluída, escapa-se por entre os tímpanos. É impossível memorizá-la, reproduzi-la num lalala consciente. Foi uma Voz que se ouviu. Que serpenteou durante duas horas e nos deu visões de uma beleza esquiva, aleatória, inalcançável. Foi uma Voz que se ouviu. E terminado o concerto sobraram gotas e algumas cinzas. Que ninguém limpou.
Como este é um fenómeno consensual, e de facto o personagem é um meteorito, achei interessante esta análise, que se refere a um alinhamente muito próximo do que foi apresentado no Porto e levanta reticências à "produção de génios" na imprensa musical.
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