A palavra 'preto'
O post Vigarice e caldo verde suscitou a reacção de um leitor/a, que critica o facto de eu ter escrito a seguinte frase: "A selecção (banalíssima) esteve a cargo de uns pretos que lhe iam dando lume." O problema aqui está na palavra "pretos", que é considerada deselegante e ofensiva. Já não é a primeira vez que assisto, ou participo, em discussões sobre a utilização da palavra "preto". E como é tema que me interessa, sobretudo pela implicação ao nível da linguagem, resolvi responder-lhe aqui, onde se gerou a controvérsia.
Reproduzo um excerto do comentário; o resto pode ser encontrado na caixa do post.
"(…) Sei que não és racista mas a frase é, na minha modesta opinião, bastante ofensiva… se fossem brancos, a frase não "colava" bem, ou colava? Dirias uns tipos, fulanos, sujeitos, beltranos, sicranos, indivíduos, criaturas. Agora brancos?? Duvido. E é exactamente por isso que é desagradável. O preto aparece como adjectivo e não como sujeito. A carga é essa, quer tu queiras, quer não. Os pretos (negros, coloridos, africanos, whatever) aparecem como uma espécie de seres de segunda categoria que estão ali para prestar vassalagem ao Shaun Ryder (estive lá, não o contesto!). A questão não é o nome, seria o mesmo se usasses arianos, islâmicos ou um outro termo qualquer carregado de conotações históricas, nesta época da história, neste lugar da história. A História é pesada, e nós têmo-la como herança. O KKK existiu, bem como a escravatura, e as desigualdades sociais ainda subsistem. (…)"
A verdade é que hesitei um pouco antes de escrever "pretos" (não me passou pela cabeça escrever "negros" – porque "negros", tal como "pessoas de cor", ou eufemismos do género têm para mim um significado detestável: são a submissão à cartilha do mais hipócrita que há no politicamente correcto: a manietação da linguagem, o medo de ofender [como se eles fossem uns coitadinhos, umas vítimas, e não pessoas de pleno direito, como eu as vejo]. Ter medo de dizer "pretos" revela sobretudo insegurança quanto à nossa própria posição. Quem diz muitas vezes "pessoas de cor" está ataviado ou é um racista reprimido. E eu não tenho problemas desses). Mas hesitei antes de escrever "pretos", por uma questão estética. Pensei em "gajos", "tipos", "mecos" ("mecos" ficava bem: "A selecção (banalíssima) esteve a cargo de uns mecos que lhe iam dando lume"). Mas depois achei que ficava melhor "pretos", até porque eles eram pretos e achei que tinha mais graça escrever assim (mas neste ponto não posso contestar uma objecção estética – "acho que fica mal" é perfeitamente legítimo).
Discordo é no plano da conotação. Em primeiro lugar, porque se tratava de um texto bem disposto (apesar de ranzinza), e naquele contexto até admito que houvesse um certo trocadilho - mas que diabo, as melhores anedotas são justamente as que violam os tabus: os pretos, os gays, os paralíticos. Dizia um dos Monty Python que aquilo com que não se pode gozar não é humano e eu dou-lhe inteira razão. Até acho que as anedotas sobre pretos ajudam a suavizar a questão do racismo e nos tornam mais civilizados. E é também por isso que a palavra "preto" deverá ser utilizada, não obstante a "carga histórica" referida no comentário. À falta de melhor termo ("pessoa de cor" é pomposo, "negro" é dizer basicamente o mesmo, "colorido" é ridículo, e "bléque" até é simpático, mas é mais utilizado em Lisboa; o mais adequado seria "africano", mas nem todos os africanos são pretos, nem nós nos referimos ordinariamente a um louro como "europeu", por exemplo: chamamos-lhe "louro"); à falta de melhor acho que devemos chamar "pretos" aos pretos. Sem traumas nem complexos. Nem medos históricos. Até como afirmação da nossa repulsa pelo racismo, ao desconectarmos dessa relação negativa com a palavra, sendo naturais quando nos referimos a um preto. Ou quando nos referimos a um branco.
Só para terminar: é óbvio que, para mim, pretos ou brancos são ambos "gajos" ou "tipos". E apenas uso "preto" para simplificar a descrição. Em Portugal, sei que a maior parte são angolanos ou de Cabo Verde, mas se estou em França não faço a mínima ideia de que país são. Logo, aqueles tipos que estavam a incendiar carros eram todos pretos. (scherzando ;)
Reproduzo um excerto do comentário; o resto pode ser encontrado na caixa do post.
"(…) Sei que não és racista mas a frase é, na minha modesta opinião, bastante ofensiva… se fossem brancos, a frase não "colava" bem, ou colava? Dirias uns tipos, fulanos, sujeitos, beltranos, sicranos, indivíduos, criaturas. Agora brancos?? Duvido. E é exactamente por isso que é desagradável. O preto aparece como adjectivo e não como sujeito. A carga é essa, quer tu queiras, quer não. Os pretos (negros, coloridos, africanos, whatever) aparecem como uma espécie de seres de segunda categoria que estão ali para prestar vassalagem ao Shaun Ryder (estive lá, não o contesto!). A questão não é o nome, seria o mesmo se usasses arianos, islâmicos ou um outro termo qualquer carregado de conotações históricas, nesta época da história, neste lugar da história. A História é pesada, e nós têmo-la como herança. O KKK existiu, bem como a escravatura, e as desigualdades sociais ainda subsistem. (…)"
A verdade é que hesitei um pouco antes de escrever "pretos" (não me passou pela cabeça escrever "negros" – porque "negros", tal como "pessoas de cor", ou eufemismos do género têm para mim um significado detestável: são a submissão à cartilha do mais hipócrita que há no politicamente correcto: a manietação da linguagem, o medo de ofender [como se eles fossem uns coitadinhos, umas vítimas, e não pessoas de pleno direito, como eu as vejo]. Ter medo de dizer "pretos" revela sobretudo insegurança quanto à nossa própria posição. Quem diz muitas vezes "pessoas de cor" está ataviado ou é um racista reprimido. E eu não tenho problemas desses). Mas hesitei antes de escrever "pretos", por uma questão estética. Pensei em "gajos", "tipos", "mecos" ("mecos" ficava bem: "A selecção (banalíssima) esteve a cargo de uns mecos que lhe iam dando lume"). Mas depois achei que ficava melhor "pretos", até porque eles eram pretos e achei que tinha mais graça escrever assim (mas neste ponto não posso contestar uma objecção estética – "acho que fica mal" é perfeitamente legítimo).
Discordo é no plano da conotação. Em primeiro lugar, porque se tratava de um texto bem disposto (apesar de ranzinza), e naquele contexto até admito que houvesse um certo trocadilho - mas que diabo, as melhores anedotas são justamente as que violam os tabus: os pretos, os gays, os paralíticos. Dizia um dos Monty Python que aquilo com que não se pode gozar não é humano e eu dou-lhe inteira razão. Até acho que as anedotas sobre pretos ajudam a suavizar a questão do racismo e nos tornam mais civilizados. E é também por isso que a palavra "preto" deverá ser utilizada, não obstante a "carga histórica" referida no comentário. À falta de melhor termo ("pessoa de cor" é pomposo, "negro" é dizer basicamente o mesmo, "colorido" é ridículo, e "bléque" até é simpático, mas é mais utilizado em Lisboa; o mais adequado seria "africano", mas nem todos os africanos são pretos, nem nós nos referimos ordinariamente a um louro como "europeu", por exemplo: chamamos-lhe "louro"); à falta de melhor acho que devemos chamar "pretos" aos pretos. Sem traumas nem complexos. Nem medos históricos. Até como afirmação da nossa repulsa pelo racismo, ao desconectarmos dessa relação negativa com a palavra, sendo naturais quando nos referimos a um preto. Ou quando nos referimos a um branco.
Só para terminar: é óbvio que, para mim, pretos ou brancos são ambos "gajos" ou "tipos". E apenas uso "preto" para simplificar a descrição. Em Portugal, sei que a maior parte são angolanos ou de Cabo Verde, mas se estou em França não faço a mínima ideia de que país são. Logo, aqueles tipos que estavam a incendiar carros eram todos pretos. (scherzando ;)
3 Comments:
Ao contrário do teu/tua leitor(a), creio que o "preto" no contexto da frase faz todo o sentido, fazia sentido mesmo que fossem brancos, amarelos ou anões.
Pelo que me contaram e li do espectáculo, nomeadamente através do Ris, aquele "pretos"
1) tem o sentido claro de "escravos" - não escamoteando a História, os escravos eram pretos - e
2) há uma coincidência evidente entre o bom djeeing e a cor da pele, portanto, os "pretos" sabem decerto mais daquilo do que o morto-vivo do Shaun e eles é que deviam estar a pôr música.
O politicamente correcto foi, para mim, inicialmente, o princípio de uma Nova Era. Hoje em dia, balizadas as coisas, vistas as consequências, tem um grau de delírio muito próximo da religião, sobretudo das pós-judaicas... o que significa que se não for "criticado" como o são as religiões significará um enorme retrocesso, sobretudo porque mexe com aquilo que verdadeiramente nos rege: a linguagem.
Para mim é uma questão de liberdade da linguagem e cabeça arejada. Um abraço
Pe tb sou preto mas a palavra preto n tem mal nenhum tem mal e de cor isso me ofende de cor kem e os brancos pensao k sao.
De cor????? SAO MESMO MERDAS
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