Para mais tarde estragar
Nunca fui grande adepto de registar à toa. E nem sequer falo da natural ansiedade de aparecer ao lado (até porque a alternativa, na maior parte dos casos, não passa de um mero postal sem competência): eu e a Torre Eiffel; eu e o Reichstag; eu e o Taj Mahal; eu e os aborígenes; eu e a cabine telefónica; eu e a inscrição em grego; eu e o caixote do lixo; eu em todo o lado (como o emplastro). Falo da necessidade de registar todos os momentos, todos os encontros, todas as pessoas e situações que julgamos dignas de registar. Como diz o anúncio: "para mais tarde recordar". Acontece é que, em muitos casos, o que fazemos é arruinar essas memórias. Afinal, estávamos todos com cara de lorpas naquela reunião tão divertida. Afinal, e ampliando bem, ela estava cheia de borbulhas e com pontos negros nos lábios. Afinal, os avós estavam tão caídos naquela última noite de Natal. E é extremamente difícil recuperar a imagem consoladora que havíamos guardado. Ao registar à força, com a ganância de perpetuar os momentos e coleccionar os retalhos da vida que julgamos relevantes, corremos o risco de eliminar as imagens que nos convêm, sejam elas verdadeiras ou estupidamente falsas. Corremos o risco de eliminar o silêncio das nossas memórias. Servindo aquelas fotografias, mais tarde, apenas para estragar.
1 Comments:
Já me aconteceu o mesmo com alguns textos...
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