Georges Seurat, Eden Concert
domingo, outubro 30, 2005
Porque já era tempo
Este regresso da chuva - e este regresso em fúria, pelo menos aqui - agrada-me por razões diversas: porque já era tempo que chovesse assim, para arrancar o estio aos corpos e às casas, para lavar os vidros, para lavar as árvores, porque já era tempo da ilusão sumir, este verão perpétuo, este suor de incêndios, este suor das secas, porque já era tempo de ser assim, novamente, tudo embaciado e disperso.
sábado, outubro 29, 2005
Pudores
Vale a pena escutar o que se diz na rua.
“Então se ela tivesse assassinado alguém e o estivesse a confessar ao telefone, também seria anulada a prova porque é feio ouvir a conversa dos outros?”
“Então se ela tivesse assassinado alguém e o estivesse a confessar ao telefone, também seria anulada a prova porque é feio ouvir a conversa dos outros?”
sexta-feira, outubro 28, 2005
Hidden track
Ficou sobressaltado com o que lhe pareceu ouvir, já após se terem despedido e ela se encontrar a uns cinquenta metros.
Coreografias
(...) Em nenhum momento da campanha houve uma pura encenação autónoma, e quer Soares, quer Cavaco, cada um já se contrói face ao outro (...) Há todo um díálogo coreográfico, como se ambos "falassem" por estes gestos quer entre si, quer connosco. E é aqui que estão efectivamente a falar. (...)
Pacheco Pereira, no Público
Curiosamente, na coluna ao lado, Prado Coelho escreve: (...) Há novos gestos, novas colocações da mão, novas formas de ouvir, novas modalidades de comunicação. (...)
Pacheco Pereira, no Público
Curiosamente, na coluna ao lado, Prado Coelho escreve: (...) Há novos gestos, novas colocações da mão, novas formas de ouvir, novas modalidades de comunicação. (...)
quinta-feira, outubro 27, 2005
Perfume (2)
As cidades cheiram, e essa memória olfactiva é por vezes o elemento mais forte da recordação.
Tallinn: caramelo, carne assada, a fragrância ferrugenta que vem do cais.
Amsterdão: haxixe, erva, o odor um pouco nauseabundo dos canais.
Roma: um cheiro a sótão de família, os fritos, as flores.
Berlim: kebabs, asfalto, poeira.
Viena: erva húmida, pastelaria.
Barcelona: maresia e tabaco, a tinta fresca de alguns grafitti.
Marraquexe: especiarias, couro, o aroma das palmeiras e dos metais
Tallinn: caramelo, carne assada, a fragrância ferrugenta que vem do cais.
Amsterdão: haxixe, erva, o odor um pouco nauseabundo dos canais.
Roma: um cheiro a sótão de família, os fritos, as flores.
Berlim: kebabs, asfalto, poeira.
Viena: erva húmida, pastelaria.
Barcelona: maresia e tabaco, a tinta fresca de alguns grafitti.
Marraquexe: especiarias, couro, o aroma das palmeiras e dos metais
quarta-feira, outubro 26, 2005
Banda Motora
Banda sonora significa que o som é utilizado para servir a imagem. Mas quando estamos dentro de um carro, por exemplo, é a realidade exterior que parece andar a compasso com aquilo que ouvimos – sejam batidas minimais ou o som de uma harmónica. Tudo aquilo dança como nós queremos. E o ambiente pertence-nos.
- Que mood irei emprestar amanhã à cidade do Porto?
- Que mood irei emprestar amanhã à cidade do Porto?
domingo, outubro 23, 2005
Madrugadas difusas
Sunday morning, praise the dawning
It’s just a restless feeling by my side
Early dawning, sunday morning
It’s just the wasted years so close behind
Watch out, the world’s behind you
There’s always someone around you who will call
It’s nothing at all
Sunday morning and I’m falling
I’ve got a feeling I don’t want to know
Early dawning, sunday morning
It’s all the streets you crossed, not so long ago
Watch out, the world’s behind you
There’s always someone around you who will call
It’s nothing at all
Watch out, the world’s behind you
There’s always someone around you who will call
It’s nothing at all
Sunday morning
Sunday morning
Sunday morning
Velvet Underground, Sunday Morning
It’s just a restless feeling by my side
Early dawning, sunday morning
It’s just the wasted years so close behind
Watch out, the world’s behind you
There’s always someone around you who will call
It’s nothing at all
Sunday morning and I’m falling
I’ve got a feeling I don’t want to know
Early dawning, sunday morning
It’s all the streets you crossed, not so long ago
Watch out, the world’s behind you
There’s always someone around you who will call
It’s nothing at all
Watch out, the world’s behind you
There’s always someone around you who will call
It’s nothing at all
Sunday morning
Sunday morning
Sunday morning
Velvet Underground, Sunday Morning
sexta-feira, outubro 21, 2005
quarta-feira, outubro 19, 2005
Últimos dias
My whole existence is for your amusement
And that is why I'm here with you!
Nirvana, Paper Cuts
O filme de Gus Van Sant é indigesto, mas pergunto-me se haverá outra maneira de filmar aquilo. Os últimos dias de Cobain, sobre os quais pouco ou nada se sabe, permanecem ali sem explicações, limitando-se a câmera a recolher vestígios, apontamentos, do que seria a sua consciência envenenada e hesitante. Não é um filme fácil, como não foi fácil aceitar a morte dele, mas não é um mau filme. Encontro apenas uma falha, que talvez desequilibre um pouco a atmosfera que se pretendeu criar: Van Sant recorre à circularidade que havia utilizado em Elephant, filmando diversos pontos de vista sobre a mesma acção, o que contribuiu, nesse filme, para uma certa desorientação e para reforçar a expressividade dos factos retratados. Já em Last Days o exercicío parece inútil. A que propósito, quando o realizador aposta numa observação austera, quando tudo aquilo é grave, parcimonioso e discreto. A que propósito se insere um efeito naquele bloco cinzento, sem que isso contribua para nada mais do que um jogo com o público. É quase como fazer chalaça num funeral. O que é uma pena, pois esses truques acabam por desviar-nos do que poderia ser um compacto de desolação e desespero.
And that is why I'm here with you!
Nirvana, Paper Cuts
O filme de Gus Van Sant é indigesto, mas pergunto-me se haverá outra maneira de filmar aquilo. Os últimos dias de Cobain, sobre os quais pouco ou nada se sabe, permanecem ali sem explicações, limitando-se a câmera a recolher vestígios, apontamentos, do que seria a sua consciência envenenada e hesitante. Não é um filme fácil, como não foi fácil aceitar a morte dele, mas não é um mau filme. Encontro apenas uma falha, que talvez desequilibre um pouco a atmosfera que se pretendeu criar: Van Sant recorre à circularidade que havia utilizado em Elephant, filmando diversos pontos de vista sobre a mesma acção, o que contribuiu, nesse filme, para uma certa desorientação e para reforçar a expressividade dos factos retratados. Já em Last Days o exercicío parece inútil. A que propósito, quando o realizador aposta numa observação austera, quando tudo aquilo é grave, parcimonioso e discreto. A que propósito se insere um efeito naquele bloco cinzento, sem que isso contribua para nada mais do que um jogo com o público. É quase como fazer chalaça num funeral. O que é uma pena, pois esses truques acabam por desviar-nos do que poderia ser um compacto de desolação e desespero.
terça-feira, outubro 18, 2005
Lorpas civilizados
Quando muito gentilmente seguramos a porta, ao sair de um café, para dar passagem ao indivíduo que se aproxima, e este, ao invés de um obrigado, se limita a passar por nós, alçando a fronte como um pavão, sentimo-nos verdadeiros lorpas civilizados.
domingo, outubro 16, 2005
sábado, outubro 15, 2005
Lugar
Ele estava no carro, debaixo de um viaduto, parado no trânsito. Via luzes vermelhas ao longe, intermitentes, e via matrículas, separadores e tabuletas de trânsito ao perto. Ele falava ao telefone com uma mulher. Ela encontrava-se no quarto de banho de um aeroporto, pouco após ter lavado as mãos com sabonete líquido cor-de-rosa e ter esperado mais de um minuto para que secassem debaixo de um aparelho cinzento. Eles combinavam passar o fim de semana longe, entre passeios no bosque, almoços demorados em mesas toscas, o ruído amotinado dos grilos enquanto se enroscassem sobre o folhelho.
sexta-feira, outubro 14, 2005
Spam
O elogio oficial é uma espécie de spam. Com alterações pontuais poderá ser enviado a todos.
Iluminou as nossas vidas com os seus versos.
Iluminou as nossas vidas ao cortar a meta.
Iluminou as nossas vidas com aquele arroz de cabidela.
Iluminou as nossas vidas com os seus versos.
Iluminou as nossas vidas ao cortar a meta.
Iluminou as nossas vidas com aquele arroz de cabidela.
Cimeira
Portugal e Brasil são irmãos. A língua que nos une. Os negócios fantásticos que vamos fazer. A circulação de gente. Os vistos. As parcerias de toda a ordem. Acabou a jornada das boas intenções.
Já podemos voltar às anedotas.
Já podemos voltar às anedotas.
quarta-feira, outubro 12, 2005
Nada
Um excelente filme, o Nada, de Vicenzo Natali. Encontrou-se ali o tom adequado à história de dois losers que têm o poder de eclipsar tudo aquilo que detestam, desde as pessoas ou o planeta, até às suas próprias memórias e traços de personalidade. A coisa mais hilariante do filme é o barulho de molas que o nada faz. Como se os actores andassem a pinchar na felicidade absurda que os vai extinguindo.
terça-feira, outubro 11, 2005
Português
É possível ouvir um italiano dizer a outro: portaste-te com um italiano. Ou um catalão dizer a outro: és um catalão e pêras. Ou um espanhol dizer a outro: essa foi à espanhol. O que não é possível é ouvir um português dizer a outro: és mesmo um português, sem que o outro se sinta logo insultado.
domingo, outubro 09, 2005
Matosinhos
O povo é soberano e escolheu. E quem está mal que se mude.
- Olhe, era um andante para Matosinhos, sff.
- Olhe, era um andante para Matosinhos, sff.
quinta-feira, outubro 06, 2005
Pânico
Tinha progressiva dificuldade em perceber o que diziam, e não era por distracção ou falta de ouvido. Nem sequer por deficiência dos que ali estavam. A verdade é que não compreendia aquelas palavras. Nem a mais pequena nem a maior. Pediu que repetissem, aproximou-se, fez todo um esforço de interpretação. Até que entrou em pânico: não compreendia uma única palavra da sua língua.
Estilo
Sentiu que estava a chegar a um beco sem saída, mas conservava uma certa dignidade estilística. Por isso, confessou estar a chegar a uma scut suspendida.
quarta-feira, outubro 05, 2005
Feriado
Maços de tabaco vazios, um cd a tocar baixinho, metade do pijama enrolado nos chinelos. Tudo isto muito obnubilado.
- Ora aqui está o café.
- Muito obnubilado.
- Ora aqui está o café.
- Muito obnubilado.
Depuração
Numa boa discussão, com dois bons participantes, aproveita-se o melhor de cada argumento. Mas é na quantidade de lixo, que assumem produzir, que se reconhece o valor dialéctico de cada um deles.
terça-feira, outubro 04, 2005
segunda-feira, outubro 03, 2005
Um charme sombrio
Das cidades que conheci, Palermo é talvez aquela que mais se assemelha ao Porto. Há ali quarteirões que nos recordam logo a zona da Sé e do Barredo. A mesma sujidade nas ruas, a falta de luz, o aspecto decrépito das fachadas. Há uma atmosfera de perigo, de toldos, uma sucessão de emboscadas por aquelas vielas e escadas. E os personagens são parecidos (mais tisnados) com os do centro histórico do Porto. Há ali um charme sombrio.