Imagem de Miguel Cardoso, no Maus Hábitos
Num excelente artigo no
Mil Folhas – onde assinala algumas das mais recentes marcas da arte contemporânea no Porto, como a estrutura de Pedro Cabrita Reis, intitulada
Palácio, ou a Torre Burgo, de Eduardo Souto Moura, e a escultura que lhe subjaz, da autoria de Ângelo de Sousa, assim como projectos mais efémeros que têm tido lugar na Casa da Música (actualmente está
Labirintite, de Ricardo Jacinto) – , Óscar Faria utiliza a frase “cidade em progresso” para titular o trabalho. Aqui está uma frase que nos últimos anos só com muito boa vontade se pode associar ao Porto. Mas a verdade é que, ao lê-la, me lembrei de um outro aspecto em que a cidade parece estar a fazer progressos.
Sem sair, para já, da arte contemporânea (mas as coisas têm-se cruzado e de que maneira), refira-se a extensa rede de espaços artísticos alternativos (de natureza comercial ou de laboratório) que tem semeado a cidade nos últimos anos. Desde o limite atlântico, no Passeio Alegre, com o espaço
Era uma vez no Porto (edifício mosaico semelhante ao
Artes em Partes), à Constituição, onde surgiu recentemente o
Serv'Artes (com cerca de 1000 metros quadrados destinados a exposições e concertos), e passando por uma miríade de pequenos locais geridos pelos artistas, que ali trabalham e expõem. Especial destaque merece a Rua do Almada, onde as rendas baixas (até quando?) têm permitido o florescimento de todo o tipo de comércio alternativo – lojas de vinil (e de impressão de vinil), de
design e de material
retro e até a
embaixada lomográfica do Porto – uma pequena Carnaby Street em formação.
O que me traz ao post, no entanto, é a percepção de um outro “progresso” – o da vida nocturna do Porto. Com efeito, e após o definitivo voltar de costas à Ribeira (decisão tomada pelo cansaço em relação a situações de que já
aqui falei) e o último estremecimento noctívago que representou o
Club Kitten, no
Triplex, nos anos 2001/2002, a cidade colocou-se ao nível de Paços de Ferreira em termos de ‘movida’. Aparentemente, as coisas estão a mudar. E, o que é mais extraordinário, a mudar para uma zona estranha a estes andamentos – a Baixa da cidade.
(Já me habituei e gosto. Agradeço a imagem)Uma opção que tardou, mas que cegava os olhos pela evidência. Onde mais haveria condições para instalar um circuito dinâmico, capaz de atrair investimentos e propostas diversificadas e chamar população de toda a área metropolitana? Nenhuma outra zona possui as características da Baixa: o seu peso histórico e monumental, como centro incontestado da região; a concentração de teatros e salas de espectáculos; a recente adição de vias pedonais e o renovado desenho de artérias nevrálgicas; a falta de vizinhança (a Rua 31 de Janeiro tem um único e escasso habitante); a dimensão dos espaços disponíveis (e a sua condição de devolutos a cair de podre); a sensação de que a zona mais nobre da cidade ficava entregue aos bichos a partir das dez da noite; e a noção, para os mais atentos, de que tal facto era inconcebível e colocava o Porto definitivamente à ilharga do funcionamento das cidades civilizadas. O que se está a passar é ainda ténue, mas representa uma tomada de consciência sobre o potencial da zona. Que não se deve esgotar na “noite”, evidentemente, mas antes funcionar como estímulo à revitalização geral, que passa antes de mais pelo restauro de edifícios e pelo repovoamento da baixa.
Mas voltando à noite, que é actualmente o indício mais visível desse desejado ressurgimento, há de facto progressos a assinalar. No espaço de poucos meses a oferta triplicou, e aos pioneiros nocturnos naquela área,
Maus Hábitos e
Passos Manuel, que se mantêm como referências de espaços que aliam o carácter lúdico à dimensão cultural (com programações regulares de concertos,
performances e exposições), a estes vieram juntar-se o renovado
Batalha, ainda a precisar de fôlego e orientação, mas com espaços promissores e uma esplanada única no centro; o
Pitch, que com a sua acústica e selecção criteriosa de DJ’s se afirma já, a par da
Indústria, como melhor clube do Porto; o
Café Lusitano, que dificilmente será batido, em termos de decoração, por outro local da cidade; e a mais recente aquisição, o
Plano B, antigo armazém com possibilidades imensas e uma vontade assumida de acolher propostas (apesar das agulhas por afinar). Nas redondezas, encontra-se ainda o Tendinha, pequeno
basfond para os saudosos do rock, e uma série de pequenos bares e cafés que vão contribuindo para a circulação de gente.
Neste novo eixo, delimitado entre os Poveiros e o Piolho (que se tornou o feliz sucessor da Praça do Cubo), há espaços para diversos públicos e sensibilidades, mas sobretudo nota-se a aposta, na maior parte deles, em afirmar uma
personalidade: seja pelo estilo ou pelas actividades que oferecem, cada um deles é associável a uma determinada “onda”, no que se tornam radicalmente distintos de outras zonas nocturnas da cidade, onde imperam os barracões de engate e música foleira. Falta agora mais restaurantes (abertos até mais tarde), um clube de jazz e um acordo alargado entre os locais e os parques de estacionamento, de modo a evitar o caos e a levar mais gente para a rua. Um envolvimento maior dos cafés históricos da Baixa, como o Guarany ou o Garça Real seria também desejável.
É costume dizer-se que os tempos mais difíceis e cinzentos favorecem as reacções mais ousadas e interessantes. Talvez isto seja um princípio.
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